Emilio Matsuo – histórias que foram minha inspiração e força!

Nasci em 12 de setembro de 1952, na Colônia Esperança (colônia de pequenos sitiantes, vindos do Japão), município de Arapongas-PR, onde estudei até o terceiro ano do curso primário. 

Prossegui com os estudos até o segundo Colegial na cidade de Arapongas. Fiz o terceiro Colegial e cursinho em Curitiba-PR, e de lá vim para o ITA cursar Engenharia de Aeronáutica, me formando em 1977. Em 1978, ingressei na Embraer, onde trabalhei por 38 anos e meio e tive o privilégio de contribuir para o desenvolvimento de mais de 30 aeronaves diferentes. 

Hoje faço somente trabalhos voluntários, procurando devolver para a sociedade um pouco do muito que recebi durante minha vida, a começar pela educação de qualidade, sempre em escolas públicas e finalmente no ITA. Gratidão eterna! No ITA, realizei meu sonho de infância: entender por que aquelas máquinas (os DC-3 que faziam a rota Londrina – Maringá – Foz do Iguaçu) voavam, e mais tarde pude ajudar a desenvolver essas maravilhosas máquinas voadoras.

Minha mãe nasceu em Nagasaki (cidade atingida pela Bomba Atômica em 9 de agosto de 1945) e veio para o Brasil em 1929 com 5 anos de idade. Chegando ao Brasil, a família foi diretamente para a fazenda de café em Cambará-PR.

Já adulta, ela conheceu meu pai e se casaram, tendo inicialmente quatro filhos. Contraiu tuberculose e precisou deixar esses filhos pequenos com meu pai e meus avós, indo para Campos do Jordão para se tratar e sobreviver o máximo possível, já que não havia remédio para a cura dessa doença. Lá chegando, grávida do quinto filho, os médicos recomendaram praticar o aborto, pois segundo eles a criança nasceria com a doença e teria poucas chances de sobreviver.

Mamãe, filha de família de católicos praticantes desde o Japão (minha avó materna tinha três irmãos sacerdotes no Japão), e meu pai, convertido ao catolicismo no Brasil (tinha uma irmã freira da congregação da Madre Paulina e um irmão sacerdote Redentorista), jamais aceitariam um aborto. Então, Mamãe preferiu morrer junto com a criança, a abortá-la.

Nessa luta, para não permitir o aborto (não dormia com medo de lhe aplicarem remédio que fizesse mal à criança enquanto dormia), teve ajuda do Padre Vitor de Aparecida (ele visitava os hospitais), que a colocou em um hospital católico, mesmo não tendo vaga. Ficou sobre uma maca por algumas semanas, segura e feliz. Se recuperou, ganhou peso e levou a gestação até o fim. 

Devido ao parto de risco, desceu para São Paulo para ter minha irmã, e só pôde ver a bebê, voltando para Campos do Jordão a fim de continuar o tratamento. Meu pai levou a filha recém-nascida de DC-3 para o Paraná, para ser criada por minha avó junto a outras três irmãs e meu irmão. 

Várias senhoras da Colônia Esperança contavam para nós que minha avó passava, ainda antes de clarear o dia, de sítio em sítio (com minha irmã presa ao peito para mantê-la aquecida no frio inverno do Paraná) à procura de leite de cabra, único que a bebê tolerava! Essa irmã (Cacilda) nasceu sem tuberculose, cresceu sadia, se casou e teve um casal de filhos, ambos médicos (Ana Paula, neurocirurgiã, e Nelsinho, ortopedista). Ao longo dos três anos de tratamento, minha mãe teve oportunidade de ser alfabetizada pela colega de quarto (mãe de Ermírio de Moraes).

Com tenacidade, determinação e muita fé, mamãe conseguiu sobreviver até o descobrimento da cura pela Estreptomicina. Desceu de Campos do Jordão para São José dos Campos, se tratou no Hospital Vicentina Aranha com esse remédio por seis meses, e voltou para cada curada. 

Quando minha mãe chegou em casa no sítio, minha irmã Cacilda, já com mais de dois anos de idade, correu em direção à avó, gritando: Vovó, chegou uma mulher chamada mamãe! 

Teve mais oito filhos, totalizando treze (uma falecida aos seis meses). Fui o terceiro a nascer depois da cura de mamãe, e o oitavo de doze irmãos vivos.

Quando entrei no ITA (em São José dos Campos), em 1973, ela contou toda essa história, e combinamos de ela vir a minha formatura, para visitarmos o Hospital Vicentina Aranha (hoje Parque Vicentina Aranha), onde ela se curou.

Infelizmente, ela faleceu cedo, aos 55 anos, e eu estava começando o primeiro ano profissional no ITA. Foi uma pena!!! Willian, meu irmão caçula,  tinha treze anos, e Carla, quinze. Isso fez com que minha avó tivesse que assumir a casa novamente aos 86 anos de idade, após meses acamada, a ponto de acharmos que ela não iria mais se recuperar. Pois bem, uma semana após a partida de mamãe, ela já estava de pé, comandando a casa, e viveu até 94 anos de idade, quando Willian completou 21 anos. 

Muito provavelmente, essa experiência fez de minha mãe uma pessoa sensível, trabalhadora e que vivia com intensidade cada momento presente, sempre preocupada em ajudar as pessoas ao redor. Me marcou a maneira de tratar os empregados com respeito e alegria, dar e controlar as vacinas dos filhos de colonos e até formar pomar para cada família de colonos.

Meu pai aluno brilhante e esportista: faixa preta de judô e faixa marrom de kendô (luta com espada), era um dos primeiros alunos da escola, segundo minha avó. Após terminar o colegial, queria cursar medicina, porém só poderia continuar caso seu irmão mais velho concordasse, já que esse irmão não pôde continuar os estudos por problema financeiro da família, já sanado quando papai se formou no colégio.  

Quando teve a certeza de que o irmão mais velho não permitiria que continuasse os estudos, disse ao pai não ter mais nada a fazer no Japão, e veio ao Brasil como membro da família do vizinho. Sua vida mudou completamente: de estudante para trabalhador braçal de fazenda, derrubando mato para plantar café.

Foto de meu pai com uniforme de judô e com uniforme do colegial. Na foto menor, a mudança para trabalho braçal, derrubando floresta no machado para plantar café.

Faltando seis meses para completar os dois anos de contrato como empregado da fazenda, mandou carta para a família não vir para cá, pois era um país muito atrasado, com trabalho braçal, e era, portanto, uma fria!

A mensagem demorou tanto, que a família tinha vendido tudo para vir atrás de meu pai, tornando irreversível seu retorno ao Japão. Com o tempo, ele aprendeu a amar esta terra, e sempre falava disso!

Papai gostava tanto de medicina que tinha um livro de anatomia e estudava sozinho, e se tornou o prático da comunidade da Colônia Esperança. Mais tarde, seis netos e três bisnetos realizaram seu sonho, formando-se em medicina.

Por ele não ter podido estudar, a educação tinha se tornado a prioridade número 1 desde que chegou do Japão! Então, seus quatro irmãos mais novos puderam estudar, com esforço e apoio de meu pai. Também para meus irmãos e para mim a educação continuou com prioridade máxima. Para que isso fosse possível, meu pai construiu uma casa na cidade de Arapongas, para onde mudávamos após certa idade, e voltávamos nos fins de semana, feriados e férias para ajudar no sítio, mesmo nas férias da faculdade. 

Como resultado desse esforço, e da ajuda na roça de meu irmão mais velho Francisco (replicando o que fez meu pai com seus irmãos mais novos), cinco irmãs se formaram professoras, dois irmãos em advocacia, três em engenharia e dois em contabilidade. Fui o primeiro a sair de casa para estudar em um centro maior. Para chegar ao nível dos centros maiores, estudei muito! Como diria, estudei até o miolo ficar mole! E para não penalizar a família com gastos muito maiores que outros irmãos, o que me envergonhava, o ITA foi a alternativa escolhida.

Passava as férias na roça, onde sonhava, olhando para o céu, imaginando como o DC-3 conseguia voar. Sonhava até que um avião desses tinha feito um pouso no sítio para eu poder ver! Nessa foto, eu já cursava o ITA.

Após muito esforço, consegui ingressar no ITA. Descobri na prática que entrar nessa escola era muito difícil, e sair formado, mais difícil ainda!

Após formado, meu pai me disse: Emilio, sou da roça, e nunca trabalhei em empresa, então, não posso nem aconselhar. Porém, digo que, se você se sentir e se comportar como um empregado da empresa e não como o dono, você não terá futuro. Se isso acontecer, volte para me ajudar no sítio, pois eu preciso da sua ajuda aqui. 

Com esse conselho em mente, e seguindo meu coração, ingressei na Embraer em 16 de janeiro de 1978, e me aposentei em junho de 2016, após o primeiro voo do KC-390 e, 8 meses depois, primeiro voo do EMBRAER 190 E2. Nesses 38,5 anos tive a felicidade e o privilégio de aprender muito, contribuir para o crescimento profissional da equipe, formar novos líderes e ajudar cada colaborador a realizar seus sonhos. Por fim, pude trabalhar em mais de trinta projetos diferentes, sempre procurando praticar os ensinamentos, cultura e valores aprendidos em casa, no ITA e na Embraer (plantados por nosso mestre Ozires Silva e pioneiros), assumindo também responsabilidade cada vez maior: supervisor, gerente, diretor de engenharia de desenvolvimento, vice-presidente de engenharia, vice-presidente executivo de tecnologia (respondendo diretamente ao CEO), e finalmente vice-presidente e engenheiro chefe. Foram anos de muito aprendizado, companheirismo, alegria, amizade e realizações.

E o incentivo ao estudo se estendia às famílias dos empregados: Quando algum filho de colono precisava estudar, meu pai dispensava do trabalho. De uma família de empregados, saíram Gerente do Bradesco de Ponta Grossa, e Técnico que foi para Curitiba trabalhar na Caterpillar, fazendo carreira, o que deixava meu pai muito feliz. 

Me sinto extremamente grato à minha família, aos professores, aos meus líderes, ao ITA, à Embraer por permitir minha realização plena.

Gratidão também para minha esposa Erica, filhos, genro e noras Claudia/Diogo, Rodrigo/Paula, Eric/Carol e os netos André, Tomás, Renan e Giovana que são a minha vida, a quem dedico este relato.

 

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