Da criação à privatização: a história de Ozires Silva na Embraer

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m abril de 1969, o destino colocou no caminho do engenheiro aeronáutico Ozires Silva um encontro inusitado. O avião do então presidente da República Artur da Costa e Silva, impedido de pousar em Guaratinguetá (SP) por causa de um nevoeiro, mudou o pouso para São José dos Campos (SP). Naquele dia, o então major Ozires estava presente no CTA (Centro Técnico Aeroespacial) e coube a ele receber a inesperada visita. Sem a necessidade de protocolos pré-estabelecidos, surgia uma oportunidade única para conversar com a maior autoridade do país sobre a indústria brasileira de aviões – conversa essa que mudaria o futuro do cenário aeroespacial do Brasil.

Rui Gonçalves, diretor de Cultura do INVOZ.

‘’O coronel Ozires sabia exatamente o que precisava fazer para dar certo. O objetivo era ser interessante para a FAB (Força Aérea Brasileira) e para o governo. Mas, também, precisava ser lucrativo. Anteriormente, outras instituições já haviam apresentado projetos parecidos, mas não foram para frente por não serem vendáveis. Ozires sabia, exatamente, como conciliar as duas partes’’, destaca Rui Gonçalves, diretor de Cultura do INVOZ.

Após a promessa do presidente de analisar a ideia, Ozires foi a Brasília, ainda em 1969, apresentar o projeto a um grupo de ministros. O coronel levou, em sua bagagem, uma estratégia pronta, que envolvia aviões de propriedade intelectual brasileira e marca nacional certificada internacionalmente com intuito de comercializar os produtos no exterior. Tratava-se de um planejamento completo. Apesar de leve relutância por conta dos custos, o então ministro da Fazenda Delfim Netto ficou animado com a proposta. Nascia, ali, a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica).

Primeiro presidente

Em janeiro de 1970, como oficial da aeronáutica, Ozires assumiu a posição de primeiro presidente da Embraer, ainda sem muita experiência empresarial. A data coincidiu com a época em que o governo exigiu do ministro da Aeronáutica a necessidade de se ter aviões que atendessem a marinha e o exército. Era preciso importar cerca de 80 aviões dos Estados Unidos, com características semelhantes às da aeronave EMB-110, que ainda não havia sido lançado. Porém, o ministro não autorizou a importação, optando por aguardar o produto brasileiro ser finalizado.

Além dessa importante decisão de adquirir os 80 aviões Bandeirante, concordando em adiantar boa parte do valor das aeronaves e assim permitindo um alto capital de giro para a Embraer, a FAB (Força Aérea Brasileira) também buscava novos treinadores avançados para seus jovens pilotos na Itália. Por forte influência do Eng. Ozires, optou por comprar os da empresa brasileira, e a Embraer contrataria os italianos para trabalharem no Brasil.

Cenário promissor

O cenário aeronáutico brasileiro se mostrava promissor. Além do pedido da FAB, o ministro da Agricultura encomendou três aviões agrícolas que se tornaram o modelo EMB-200, ou “Ipanema”. Em valores atuais aproximados, a FAB havia negociado com a recém-criada Embraer cerca de 1,5 bilhão de dólares.

No decorrer das décadas, a empresa desenvolveu modelos notáveis, como o já mencionado EMB-200 Ipanema, para pulverização agrícola, o EMB-326 Xavante, primeiro avião a jato produzido no país, e o EMB-21 Xingu, primeiro turboélice pressurizado fabricado pela empresa para uso executivo, nos anos 1970. Na década de 1980, a Embraer ganhou destaque pelos modelos como o EMB120 Brasília, com capacidade para 30 passageiros, o EMB312 Tucano, para a área de defesa, e o AMX – caça subsônico produzido em parceria com a Aermacchi, uma indústria aeronáutica italiana.

Crise financeira

Com uma forte crise financeira internacional, o cenário do transporte aéreo mundial sofreu período de grande instabilidade, fazendo com que muitas companhias entrassem em profunda crise financeira. O presidente da República eleito era Fernando Collor de Mello, que congelou os ativos das empresas brasileiras, contribuindo para um momento difícil enfrentado pela Embraer. Na mesma época, um colega da FAB de Ozires assumiu o ministério da Aeronáutica. Foi quando o engenheiro enxergou que o momento correto de privatizar a empresa havia chegado.

Manoel de Oliveira, presidente de Honra do INVOZ.

Com o cenário, reuniões no pátio da Embraer com todos os funcionários eram frequentes. Toda a situação era colocada em mesa e explicada com transparência. Por acreditarem e confiarem no poder de liderança de Ozires, os colaboradores acabaram apoiando a ideia. A companhia foi privatizada em dezembro de 1994, no fim do governo do presidente Itamar Franco, por R$ 154,1 milhões (em valores da época), e os adquirentes assumiram o alto passivo da empresa.

“Ozires tinha a confiança de todos os colaboradores da Embraer. Era um presidente do chão de fábrica, não apenas um gestor executivo. Conversava com todo mundo, entendia os problemas e ia resolver. Suas atitudes fizeram com que os funcionários da época tivessem a certeza de apoiarem o projeto da privatização’’, afirma Manoel de Oliveira, que trabalhou com o coronel por longos anos.

Após a privatização, a Embraer apresentou enorme crescimento. Ozires já presidia a empresa há 25 anos, e sentiu que a situação exigia “sangue novo”. Este veio com Maurício Botelho que, segundo o próprio Ozires, deu nova configuração para a corporação, que colhe seus frutos até hoje, como referência nacional e internacional no mercado aeroespacial.

Fazendo história

O coronel Ozires Silva, além de fundador da Embraer, foi ministro de Comunicação e Infraestrutura. Ozires também foi convidado pelo ex-presidente da República José Sarney a tornar-se o 19º presidente da Petrobras, atuando de 1986 a 1988. Apaixonado pela aeronáutica, ele assumiu a presidência da Varig (Viação Aérea Rio-Grandense) entre os anos 2000 e 2002, sucedendo o ex-presidente Fernando Pinto e, em sequência, cedendo o cargo para Arnim Lore.

Além dos grandes feitos no cenário aeroespacial, uma curiosidade sobre a vida de Ozires é que ele fez a primeira ligação telefônica de um celular no Brasil. Ainda quando ministro da Infraestrutura durante o governo Collor, em 1990, o presidente de honra do INVOZ foi um dos responsáveis por realizar a chamada que cruzou Estados, partindo do Rio de Janeiro e chegando até o ministro da Justiça Jarbas Passarinho, em São Paulo, que trazia a seguinte mensagem: “Este presente para a cidade do Rio de Janeiro é um presente merecido que pretendemos expandir para outras cidades brasileiras”.

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