Spiro, um salto na história!

Escrever sobre si mesmo não é uma tarefa fácil. Tentar impregnar o texto com o sentir íntimo da gente também é difícil, mas vou tentar.

Nasci e me criei no Líbano. O inglês era meu terceiro idioma. O árabe e o francês, os dois primeiros.

Sempre fui fascinado por aeronaves e queria saber como funcionavam, desde que meu tio nos levou, eu e meu irmão gêmeo, para o aeroporto novo de Bir Hassan, em Beirute, para ver um DC-3 pousando.

Meu pai era contador. Ele e seus irmãos, ainda muito jovens, tiveram de largar os estudos para sustentar a família. Com bastante sacrifício, proporcionou minha ida para a Escócia, onde me formei no que se chamava, no Reino Unido, de “Aircraft Maintenance Engineer”.

Com 18 anos de idade, em 1960, desembarquei primeiro em Londres e depois em Glasgow, a caminho de Perth. O pernoite em Glasgow foi revelador; comecei a ter dúvidas sobre o idioma que aprendi, pois o escocês falava um jargão totalmente estranho para mim.

No dia seguinte cheguei de trem a Perth, rumo à escola de pilotos e mecânicos onde iria estudar. Lá deparei com estudantes de várias nacionalidades, com quem compartilharia os próximos anos de estudo. O ano letivo  durava 11 meses, com presença comprovada de 90% para obter o diploma e a licença oficial do CAA. Metade do dia era de aulas teóricas, e a outra metade, práticas.

Durante o segundo ano, uma aeronave da escola se acidentou, e o investigador chefe do ministério me escolheu para assisti-lo nos trabalhos.

Após a formatura no início de 1963, voltei para o Líbano, onde trabalhei durante 13 anos na MEA, empresa aérea libanesa, em vários setores, como manutenção, sistemas, ensaios e suprimentos técnicos. Em 1971 me casei com uma brasileira e moramos em Beirute até 1976, quando decidimos emigrar para o Brasil por causa da guerra civil.

Cheguei ao Brasil com 13 anos de experiência, três idiomas e nenhum deles o português. Confesso que procurar emprego foi uma tarefa difícil e frustrante, até que meu currículo foi cair na mesa do Eng. Ozires Silva. Fui aceito na Assistência Técnica da Embraer para apoiar os primeiros Bandeirantes e Xingus exportados ao redor do mundo.

Em 1982, migrei para a Pratt & Whitney, fabricante de motores, onde fiquei no apoio à Embraer e a outros operadores na América do Sul até o ano 2000.

Tive de aprender português rapidamente. Devo dizer que a necessidade e o conhecimento do francês me ajudaram bastante. Tínhamos clientes europeus, e como poucas pessoas na época falavam outros idiomas, esse era meu grande diferencial.

Lembro-me de que era solicitado para atender todas as ligações dos clientes da França ou da Inglaterra. Ajudava desde o treinamento até a entrega e pós-entrega das aeronaves para as ilhas Fiji, Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra e Bélgica. A tarefa principal era atuar como ligação entre o cliente e a Embraer para resolver problemas de logística, manutenção e operação.

Na Bélgica ficamos durante 7 meses apoiando três aeronaves Xingu, vendidas para a escola de Pilotos da Aviação Civil. Foi ali que uma visita do Eng. Ozires me marcou muito. Assim que entrou numa sala repleta de executivos que o aguardavam, olhou para mim e veio diretamente falar comigo: “…nossa, que bom te encontrar”. Deu-me de presente uma sacola cheia de revistas compradas na livraria LaSelva de São Paulo e disse: “trouxe isso para sua esposa que está longe de casa, ela deve querer notícias do Brasil”.

Foram muitos os episódios inusitados durante essa jornada. Em Fiji, assim que as aeronaves pousaram, havia uma comitiva de recepção do governo junto conosco, e ninguém chegou perto dos aviões até que fosse feito um ritual chamado “Kava Ceremony” para afastar os maus espíritos. Só como informação, o fuso horário tinha uma defasagem de 11 horas e, na época, um dos meios de comunicação era o fax.

Certa vez uma delegação da Força Aérea do Iraque visitou a Embraer e, em seguida, foi a Brasília, a fim de assistir a uma palestra do EMFA. Fui convocado para fazer a tradução simultânea da palestra do idioma português para o inglês. Não tinha nenhum preparo para tradução simultânea, mas obtive êxito total na tarefa.

O que tenho a dizer para a juventude de hoje: invista em sua educação, esse é um capital que você carrega junto e que ninguém pode tirar de você. Sonhe alto, seja persistente e acredite em si mesmo. Seus esforços serão recompensados. Hoje, com 81 anos, olho para trás e vejo que tudo não passou de um piscar de olhos.

Outro aspecto que gostaria de acrescentar foi o apoio irrestrito de minha esposa Tania em toda essa jornada. Ela nunca reclamou de tantas viagens e tantas mudanças. Seu apoio foi primordial no sucesso das missões de assistência técnica que realizei ao redor do mundo.

Jovem Aprendiz na Escócia

Recém-chegados em 1976 em uma festa árabe em São Paulo

Na Escócia

Com Tania, minha esposa há 50 anos, em São José dos Campos

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