Manoel de Oliveira – Pequeno Resumo de Minha História

Somente agora, aos 77 anos de idade, casado, com dois filhos e dois netos de 15 anos, já no último quarto de minha existência, e tendo vivido muitas experiências e centenas de lições aprendidas, passo a narrar uma pequena parte desses 28 mil dias de minha jornada.

Trata-se da vida daquele que foi um menino franzino, cheio de sonhos, nascido na cidade de Santa Gertrudes, no interior de Paulo, cujos pais decidiram mudar para a capital quando tinha apenas dois anos de idade.

Uma história comum, que representa a de milhares de brasileiros que buscam evoluir, na esperança de uma vida melhor e mais próspera.

(foto 1 na chegada em São Paulo, em 1947 – Estação da Luz)

Sofri influência marcante de minha avó Cecília, que em 1891 fez parte da enorme massa de italianos que imigraram para o Brasil. Natural de Udine, no norte da Itália, ao chegar no Brasil com os pais foi direto ao interior de São Paulo, para a Fazenda Santa Gertrudes, que deu origem ao nome da cidade. Vovó perdeu um irmão na travessia do Atlântico.

A vó Cecília trabalhou muitos anos na lavoura de café, casou-se com meu avô Manoel Garcia (espanhol, que deu origem ao meu nome) e teve muitos filhos. Minha mãe, Maria de Lourdes, também trabalhou como lavradora na Fazenda Santa Gertrudes, até poucos anos antes de se casar com meu pai Luiz, também operário na cidade.

Minha mãe nunca frequentou escola e meu pai completou apenas os quatro anos do ensino primário.

Ambos lutaram muito para dar aos filhos uma vida digna, em meio às dificuldades de migrantes sem qualificações profissionais que decidiram buscar novos horizontes na capital. Ele foi trabalhar na indústria de construção civil como auxiliar de pedreiro, e ela como ajudante de costuras.

Nossa primeira casa era de madeira, de chão batido, que nos foi oferecida para morar e atuar como guarda da obra de uma vila em construção, com 16 casas, no bairro do Bosque da Saúde, na cidade de São Paulo. O trabalho duro e a dedicação, às vezes até rude, sempre foram a maior característica da educação recebida de meus pais.

Os patrões logo perceberam o potencial de contribuição de meus pais e mandaram construir uma pequena casa de alvenaria, de apenas um quarto e banheiro externo, que servia à nossa família, em troca do trabalho na obra e pela zeladoria da vila. Morei lá por 18 anos, e somente após 15 anos conseguimos comprar uma das casas de dois quartos na própria vila. Sou o primogênito de três irmãos.

Com 12 anos passei no vestibular para cursar o “ginásio” noturno e aos 14 comecei a trabalhar como office-boy. Concluí o ensino médio em 1965, sempre trabalhando durante o dia e frequentando a escola média (então “científico”) no período da noite. Tive a sorte de conviver nessa vila e na escola do bairro com descendentes de japoneses, que constituíam um quarto da minha comunidade. Deles aprendi a importância da disciplina.

(foto 2 – turma do científico noturno)

Meu sonho de criança era ser engenheiro civil, estimulado pelo desejo inconsciente de superar meu pai, operário da construção. Mas, apesar de conquistar por concurso uma bolsa no Cursinho da Escola Politécnica, não foi possível deixar de trabalhar para ajudar a família que crescia. A solução foi me inscrever no concorrido vestibular para a Escola de Aeronáutica (atual Academia da Força Aérea), onde ingressei em 1966, com a idade de 18 anos. Foi aí que se deu a grande virada!

Quando tomei o ônibus do “Expresso Brasileiro” para seguir para a Escola de Aeronáutica, no Rio de Janeiro, tinha a certeza de que minha vida de trabalhador e estudante de baixa renda de cursos noturnos iria certamente mudar. Estava entrando num novo mundo, pleno de oportunidades.

(foto 3 – 1968 – Campo dos Afonsos – Rio de Janeiro)

E assim aconteceu. No início de 1969, ano seguinte ao primeiro voo do avião Bandeirante, e como cadete do quarto ano do Curso de Oficiais Intendentes, a escola me deu a tarefa de entrevistar o então Major Ozires Silva, Chefe do Departamento de Aeronaves do CTA, para falar sobre os planos da criação da EMBRAER.

Os dois dias que passei em São José dos Campos foram de quase deslumbramento por tudo que conheci. Uma bênção! Então pedi ao Major Ozires a oportunidade de estagiar no CTA após concluir o curso de oficiais. Ali tive a primeira lição de meritocracia do nosso grande mestre e mentor. Deveria estar entre os primeiros colocados da turma para conquistar a vaga. E assim foi…

A EMBRAER foi criada em 1969, no mesmo ano em que iniciei o estágio no PAR – Departamento de Aeronaves do CTA. Depois ocupei a chefia da Divisão de Materiais do departamento. Naquele mesmo ano, todos os servidores do PAR foram convidados a fazer parte da nova companhia, exceto eu. Deveria cumprir pelo menos cinco anos de “carência” na FAB antes de deixá-la.

Mesmo assim meu trabalho no CTA era diretamente ligado à Indústria Aeronáutica, pois fiquei responsável pela gestão das aquisições, no país e no exterior, de todos os materiais destinados aos projetos da FAB junto à nascente indústria. Tínhamos então três empresas fornecedoras: a EMBRAER, que fabricava o Bandeirante; a Neiva, que produzia o T25 Universal e o Regente, e a Aerotec, que desenvolvia o treinador Uirapuru. Era uma época de grandes projetos nacionais, impulsionados pela onda desenvolvimentista dos anos 1970.

Nesse período tive a oportunidade e a honra de fazer parte de todas as comissões de acompanhamento de produção e de recebimento das novas aeronaves nacionais da FAB. Foi também nesse período que, em paralelo ao meu trabalho no CTA, frequentei e concluí meu curso de engenharia civil na Universidade de Taubaté, para realizar o velho sonho de honrar meu pai.

Em 1975, cumpridos os cinco anos de carência, fui convidado para trabalhar na EMBRAER e, no mesmo mês, meu chefe direto no CTA me indicou para uma missão de 18 meses nos Estados Unidos, para gerenciar a comissão de compra e revisão dos aviões P16E que operariam na Marinha do Brasil.

Escolhi ir para a EMBRAER, mas a Aeronáutica me convenceu de que seria melhor ter a experiencia no exterior, uma vez que poderia voltar com maior qualificação para o cargo na EMBRAER, quando retornasse.

Bem, na volta, quase dois anos depois, a vaga na EMBRAER já tinha sido preenchida, e mais, fui transferido para o Parque de Material da Aeronáutica em S. Paulo.

Mas não desisti. Optei por continuar morando em São José dos Campos e, diariamente, viajava a São Paulo em ônibus da Pássaro Marron que saía às 05:15 de São José.

No Parque de São Paulo, ganhei muita experiência ocupando a função de Chefe do Escritório de Nacionalização de Produtos Aeronáuticos. Esse escritório deu origem ao atual Centro Logístico da Aeronáutica – CELOG, importante unidade responsável pela nacionalização de materiais aeronáuticos.

Um ano depois recebi novo convite da EMBRAER e, então, reiniciei meu processo de deixar a FAB para servi-la melhor numa fábrica de aviões. Mas, de novo, tive outra surpresa: minha missão no exterior havia sido enquadrada como “curso de aperfeiçoamento” e, portanto, deveria cumprir nova carência de cinco anos!

Foi assim que mantive a rotina de viajar diariamente de São José para São Paulo por dois anos e meio até, enfim, ser liberado para voltar ao CTA, aonde cheguei em tempo de participar da criação de mais uma importante organização: O IFI – Instituto de Fomento e Coordenação Industrial e, em seguida, colaborar com o projeto de desenvolvimento do nosso avião de combate AM-X, desta vez em Roma, na Itália. Foram mais dois anos e meio no exterior, de intenso trabalho no projeto que trouxe uma das mais importantes oportunidades de transferência de tecnologia e de inovação para a EMBRAER. O projeto AM-X significou importante ponto de inflexão para a companhia, tanto no campo da infraestrutura industrial como tecnológica, sem o qual a empresa não teria alcançado o sucesso na sua linha de “regional jets”.

No regresso da Itália, em 1984, minha missão era organizar uma nova estrutura de acompanhamento e controle de projetos e produção no Brasil (GAC), semelhante ao modelo bem-sucedido na Itália.

Agora sim tive a oportunidade de trabalhar na EMBRAER como representante da FAB, apesar de não ser de seu quadro de colaboradores. Gerenciava então o contrato de desenvolvimento e produção mais importante da FAB, o AM-X.

(foto 4 – Linha de produção do AM-X)

Finalmente (ufa!), em 1986, consegui realizar meu maior sonho: ser contratado pela EMBRAER. Deixei a Força Aérea no posto de major.

Trabalhei na companhia por dez anos e, nesse período, pude fazer carreira de Assessor, Gerente e Vice-Presidente de Finanças, após concluir o curso de MBA oferecido pela própria empresa.

Na EMBRAER tive o apoio e a confiança de meus pares e mentores, criando o imenso campo nutritivo de crescimento, no qual pude dar vazão à energia acumulada nos vinte anos de Força Aérea tentando aquela vaga.

Essa força me ajudou muito na condução do processo de reestruturação da companhia até a sua privatização em 1994. Foram mais de mil dias de intenso planejamento e muito estresse, somente superados pelo apoio que recebi de minha equipe de colaboradores e a liderança fantástica de Ozires Silva.

Naquele início da década de 1990, lutávamos fortemente pela sobrevivência da empresa, mergulhada na grave crise econômica que vivia nosso país. A força de trabalho da EMBRAER nesse período teve de ser reduzida a um terço de seu efetivo, e precisamos lançar mão de todos os meios possíveis para manter a empresa viva, em especial o projeto do nosso primeiro jato EMB-145.

Somente a privatização poderia nos salvar. E todos concordam que o sucesso no desenvolvimento do EMB-145, aliado à volta do Eng. Ozires para comandar a empresa em 1992, deu o fôlego necessário à recuperação da companhia, diante da confiança que o Ministério da Aeronáutica tinha nele e no seu time.

Assim, os mil dias prévios à privatização constituíram o período de maior desafio e aprendizado de toda a minha carreira, quando percebi o poder da cooperação e da inteligência coletiva. Vivi a importância da unicidade, da fé e da liderança servidora.

Foram com essas lições que, a partir de 1999, criamos a nossa própria empresa, o Grupo Sygma. E foi com a Sygma que prosperamos e descobrimos a importância de colaborar com a sociedade. De lá surgiram projetos sociais que contribuem até hoje com a nossa cidade e com o país, como o CASD Vestibulares, o Instituto Semear, o movimento “São José 2030” e, mais recentemente, o Instituto INVOZ e o Instituto BrazilsBest.

Agradeço a Deus e à minha família pelo amor recebido. Agradeço aos meus mentores inspiradores, em especial ao Eng. Ozires Silva, que me ensinou a prática das virtudes, entre elas a humildade. Agradeço aos meus amigos, à Força Aérea e à minha querida cidade de São José dos Campos pela oportunidade de crescer, prosperar e devolver um pouco do muito que recebi de meu país.

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