Na década de 1940, o então Coronel Aviador da Força Aérea Brasileira, cearense Casimiro Montenegro Filho decretou: “Antes de produzirmos aviões, precisamos produzir engenheiros”. Nos esforços em que rapidamente já detalhamos, surgiu o Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e seus engenheiros.
Assim, certamente, um dos maiores engenheiros do ITA foi Ozires Silva, paulista de Bauru e aficionado por aviação desde criança. Ozires Silva formou-se engenheiro aeronáutico em 1962.
Logo após se formar, Ozires foi convidado a liderar o Departamento de Aeronaves do então CTA – Centro Técnico Aeroespacial, quando constatou uma grande queda de cidades atendidas por voos comerciais ao fim da década de 50.
Dessa forma, o país necessitava de aviões de menor porte, que pudessem facilitar o tráfego aéreo entre pequenas cidades, uma vez que a aviação comercial detinha apenas aeronaves maiores.
A ideia do grupo de Ozires era criar um avião bimotor turbohélice, com capacidade para 20 passageiros e que pudesse operar onde pousavam os antigos DC-3, aeronave americana fabricada pela Douglas Aircraft Company, sem exigir atualizações nos aeroportos.
Primeiro projeto de avião da Embraer, o IPD-6504
Foi no IPD (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento) que surgiu o projeto de um avião que, em 1969, permitiria a primeira fabricante de aviões em território nacional. O protótipo era o IPD-6504
O objetivo do IPD era a realização de pesquisas e desenvolvimento em aeronáutica, eletrônica, materiais, sistemas e equipamentos especiais para aviação.
Ozires construiu o IPD-6504 – futuro Bandeirante – ao lado de outros grandes engenheiros. Após muitos desafios e anos de trabalho árduo, o resultado foi um produto genuinamente brasileiro, desenvolvido, concebido e produzido nacionalmente pela empresa que mais tarde se tornaria a Embraer.
“Em 22 de outubro de 1968 o nosso avião decolou, foi um espanto em São José dos Campos. Eu diria que o espanto maior foi quando o avião pousou, né? Porque fizemos um avião que decola e pousa. Usando esse avião como demonstrador, nós começamos a demonstrar a tese. A FAB criou um sistema integrado de transporte aeroregional, estimulando a compra desses aviões por meio do financiamento do BNDES e, finalmente, em 1969, conversei com um ministro de estado que precisávamos de uma fábrica”, relembrou o engenheiro Ozires Silva.
“Tentamos fabricar o Bandeirante em série e várias empresas se interessaram, aí propusemos criar uma empresa no modelo da Petrobras, governo de um lado e setor privado do outro, de economia mista, mas em princípio foi todo mundo contra”, compartilhou Ozires Silva numa entrevista em 2018.
Vento favorável
“Num domingo, dia 20 de abril de 1969, fazia seis meses que nosso avião tinha andado, não tinha avançado em nada para fazer a produção em série, quando estávamos trabalhando e o operador da torre de controle me perguntou se eu podia receber o presidente da república porque o presidente estava indo pra Guaratinguetá e o aeroporto de lá estava fechado, sendo o de São José (dos Campos) a alternativa”, explicou Ozires a um periódico também em 2018.
A sorte estava dada. Ozires era a maior autoridade presente no CTA e recebeu o presidente da República, mostrando-lhe o protótipo do que viria a ser o Bandeirante.
O então presidente Costa e Silva disse que pensaria na proposta que Ozires lhe fizera: criar uma fábrica para construir e comercializar o Bandeirante em série.
“E de fato pensou, tanto que no dia 26 de junho de 1969 ele me chamou numa reunião no Planalto com o Ministério. Eu fiz a apresentação da Embraer e sua estratégia, que fabricaríamos vários aviões e venderíamos no mundo inteiro. O presidente se interessou realmente e ele preparou a lei para a criação de uma empresa, que batizamos de Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) em agosto de 69, uma empresa de economia mista, porque havia capital de empresas privadas. Eu fui indicado o primeiro presidente da Embraer”.
“Em janeiro de 70 começamos a fabricar no terreno do CTA e foi nesse momento exatamente o pontapé inicial. A FAB ajudou encomendando 80 Bandeirantes, dando mercado para nós. Tem muitos deles voando na própria Força Aérea. Posteriormente, fomos desenvolvendo outros aviões, tivemos a privatização da Embraer e estar aí a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, exportando para vários países”, comentou o ex-coronel.
Ozires é considerado parte da “Santíssima Trindade da Aeronáutica brasileira”, juntamente com Santos Dumont, criador do avião, o brigadeiro Casemiro Montenegro Filho, criador do ITA: Ozires criou a Embraer e foi o seu primeiro presidente.
A empresa é reconhecida como fabricante de aeronaves para diversas finalidades, sobretudo comerciais, executivas e militares. O último grande projeto da Embraer, o KC-390, é uma aeronave de transporte militar de médio porte, bimotora, cada vez mais mundialmente reconhecida por sua robustez e eficiência.
Sucesso da Embraer
Sobre o sucesso da Embraer, sobre a excelência atribuída às suas atividades, o Livro Cultura de Excelência – Reflexões sobre o Sucesso da Embraer procura explorar as razões do grande êxito empresarial da Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo com seus “tentáculos internacionais” em todo o globo e que deseja se lançar no promissor ramo de eVtols, os carros voadores.
Manoel de Oliveira, Emílio Kazunoli Matsuo, Fulvio Delicato, Kleber Grasso, Edison Henriques Junior, quase todos ex-funcionários da Embraer e/ou todos muito próximos de Ozires Silva: tomados pelo que chamam de “espírito aeronáutico”.
Assim, sobre os motivos que levaram ao grande sucesso da Embraer, a resposta é alicerçada na experiência dos 5 autores que, juntos, possuem mais de 100 anos de experiência na indústria aeronáutica. Da mesma forma, os autores possuem no total, mais de 80 anos de convivência com o engenheiro Ozires Silva, então falam com muito conhecimento de causa de como se comporta o “Mentor”.
O livro conta que Ozires liderava pelo jeito certo, pelo exemplo, exemplo de total dedicação à empresa, aos clientes, até aos aviões, para quem cada um deles tinha “uma personalidade”.
“É por essa razão que podemos nos arriscar a provocar essa reflexão sistêmica dos caminhos (que tomou a Embraer)”, conta a obra.
O próprio Ozires Silva atribui a qualidade do corpo técnico ao sucesso da Embraer: “Nós começamos com um sólido apoio do desenvolvimento humano. No mundo todo, nós temos que trabalhar com pessoas e essas pessoas têm que ter a competência necessária para trabalhar. Nós temos o ITA”, explicou a importância da formação de capital humano para a Embraer, em entrevista.
Além da capacidade técnica, um dos autores nos conta que a excelência se atinge também pelo amor ao que se faz:
“Pensar com excelência é pensar com a cabeça e com o coração”, compartilha Manoel de Oliveira, idealizador do livro. Segundos os autores, as pessoas que trabalham na Embraer são apaixonadas pelo que fazem.
“Valorizamos a melhoria contínua que busca atingir a excelência, ou seja, busco ser melhor do que eu fui ontem. Não é sobre ser melhor que os outros, é sobre ser melhor que si próprio dia após dia, é a melhoria contínua”, conta-nos o engenheiro aeronáutico Emílio Matsuo.
Para os autores, se a melhoria contínua é atingida, isso é excelência.
“Na Embraer, há muitos anos, deixamos de chamar colaboradores de Recursos Humanos, e passamos a chamar de Pessoas! Pessoas traduzia melhor a ideia do verdadeiro valor para a companhia”, relata a obra.
“As pessoas foram o diferencial para a Embraer”, conta um autor.
No dia 23 de outubro desta ano, o grupo fez o lançamento do livro na Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará) em Fortaleza, no Ceará. O início da cerimônia contou com a apresentação do músico-aviador cearense Waldonys.
Com o auditório lotado, contaram: “Sabem por que a Boeing (gigante americana da aviação) queria tanto comprar a Embraer? Eles queriam as pessoas da Embraer. Contavam para colegas nossos que nossos engenheiros mereciam ser colocados em pedestais”, contou um dos autores ratificado pelos demais.
O autor faz inclusive um relato de pessoas que saíram da Embraer para ir trabalhar na Boeing, empresa americana, que está avidamente contratando engenheiros da brasileira.
“Eu converso com pessoas que foram para a Boeing e algumas delas me dizem que a cultura lá é muito diferente da Embraer (num sentido negativo)”, relata Emílio Matsuo.
Outro colega diz que na empresa, como a Bombardier, o engenheiro é pago para se especializar em apenas partes da indústria, ficando impedido de conhecer mais amplamente o negócio, o que seria ruim para a empresa.
Inovação
A Embraer também é conhecida por ousadia e inovação. Ozires Silva, quando criança, já pensava: “Nós podemos construir aviões tão bons quanto ou melhores que esses aí”. Na época, o Brasil não fabricava bicicletas.
Concordo com o Mestre Ozires em todas as esferas. O Brasil ainda é muito carente de aviões, sobretudo no interior do país. O brasileiro voa muito pouco, primeiro porque o país é pobre em média, segundo porque voar é caro e as companhias aéreas não deixam barato, entrando na nossa especialidade, que é a aviação comercial.
Esse pensamento de Ozires de que uma grande fábrica para todo o país é pouco conversa com uma de nossas últimas colunas em que discutimos que um ITA para o Brasil é muito pouco.
Sobretudo porque outras fábricas que surgiram no Brasil estão invariavelmente concentradas no Sudeste.
O ITA no Ceará poderá provocar uma nova leva de produtos tecnológicos para o Brasil. Como é dito no livro: “Se nós conseguimos, com excelência, vocês também conseguem”.
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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
Link da notícia original: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/igor-pires/como-surgiu-a-embraer-e-qual-foi-o-primeiro-aviao-produzido-no-brasil-entenda-1.3438308